A assinatura dele vale US$ 80 milhões por ano. Mas afinal, o que faz de Romero Britto o brasileiro mais controverso da arte contemporânea?
Ao chegar ao Aeroporto Internacional de Miami, logo após
descer do avião, o visitante já sente a presença de Romero Britto na cidade. Os
funcionários responsáveis por organizar a fila de imigração usam uniformes cujo
bordado é estilizado em letras by Britto. Nas lojas do free shop, há uma série
de itens – de malas a relógios - estampados por ele. No terminal D, uma loja do
próprio artista tem todos os produtos que estão no duty free e mais alguns. E é
só o começo. Na cidade americana, a principal porta de entrada de brasileiros
nos Estados Unidos, as obras do pernambucano estão por todo canto. Além dos
objetos, são 18 instalações como Welcome, uma escultura gigante de 8 toneladas
(orçada em US$ 6 milhões), localizada na entrada de Miami Beach. Um jornalista
local, à época da inauguração da obra, disse que a quantidade de Brittos
espalhados pela cidade estava alcançando níveis de insanidade e fetichismo
dignos de um virgem colecionador de quadrinhos. A exemplo do que ocorre no
Brasil, em Miami a arte de Britto desperta amor e ódio entre os moradores.
Na noite do último sábado de agosto, Romero Britto e Collin
Watson, amigo e braço direito do artista, conversavam em pé no bar do Cipriani
enquanto esperavam os outros convidados. O papo girava, acompanhado de copos de
“suquinho” (como o artista chama o screwdriver, vodca com suco de laranja), em
torno de Salvador Dalí, sua esposa Gala e uma história, em vias de acabar, que
envolve Nova York, maçãs, cavalos e nudez. A estranha conversa é só mais um dos
pitorescos acontecimentos daquela noite.
São 11 pessoas à mesa, entre elas um Kennedy (Anthony
Shriver, fundador da ONG Best Buddies e sobrinho de John, Robert e Ted) e seus
quatro filhos, além de um outro Britto (Brendan, de 25 anos, único filho de
Britto). “Traz mais um suquinho pra ele”, pede o artista. Trivialidades são
discutidas (como a teoria, citada por Anthony, de que todos os grandes líderes
da humanidade e mentes brilhantes são horny (excitantes)– “Veja só o Bill
Clinton, por exemplo. E o Romero também é super horny!”, brada com bom humor
peculiar). Chegam os pratos – ele pede peixe, sua preferência. “Quer mais um
suquinho?” Vem a sobremesa. Joey Shriver, de 5 anos, brinca com Romero e o
derruba no chão. Todos do restaurante olham para a cena. Alguns se divertem,
outros lamentam. Britto é só alegria.
Romero Britto em seu Bentley estilizado (Foto: Jill Peters)
“Bem-vindo à Brittolândia”, me avisa em português claro no
dia anterior um dos mais de 90 funcionários do artista brasileiro. Estamos em
um tour pelo galpão de 15 mil metros quadrados onde, entre escritórios de administração,
jurídico, entregas, licenciamentos e relações-públicas (intitulado de Magical
Thinking Art), está também o estúdio de criação de Romero. O espaço, que fica
no bairro de Wynwood, é difícil de ser encontrado. Todas as paredes são
pintadas de preto, sem adornos. Internamente, todavia, o local é tomado de
assalto pela luz branca que reforça ainda mais as cores dos quadros, expostos
junto com centenas de produtos licenciados. Há também fotos por todos os
cantos. Nelas, o brasileiro está sempre acompanhado de personalidades – chefes
de Estado como Dilma e Obama e o ex-presidente George W. Bush, famílias reais
diversas, o papa Francisco, Snoop Dogg, entre outras.
“Tenho várias obras para terminar, umas 100 até o fim do
ano. Lots of interruptions, lots of stuff going on (muitas interupções, muitas
coisas acontecendo)”, diz Britto, sentado no sofá do estúdio, alternando frases
em português e inglês em um incomum sotaque misto de pernambucano com
americano. As sentenças são disparadas rapidamente, acompanhadas de um olhar
fixo e mãos e pernas inquietas.
Romero Britto e seu guarda-roupa diferenciado (Foto: Jill
Peters)
ROMERO BRITTO E SEU GUARDA-ROUPA DIFERENCIADO (FOTO: JILL
PETERS)
Uma assistente pessoal de Romero explica todo o processo de
nascimento – e reprodução – de um genuíno Britto. O esboço dos desenhos e a
primeira escolha de cores – uma pincelada de tinta em cada espaço a ser
preenchido – são feitos por ele em poucos minutos, sempre ao som de música
eletrônica. Ninguém pode interrompê-lo e uma placa na porta do estúdio deixa
isso claro. Depois, assistentes completam as cores até que ele aprove a
tonalidade. A partir daí a pintura é fotografada e vetorizada em computador, o
que permite a transferência do desenho para esculturas, produtos e pôsteres de
edições limitadas ou não. Tudo é impresso no galpão. Aprovados, alguns quadros
são enviados ao setor de molduras. Outros passam pelo chamado “processo de
embelezamento”, que consiste na aplicação de outros materiais na tela, como o
glitter – ou “poeira de diamante”, como ele gosta de chamar. O artista assina
certificados de autenticidade antes de enviar telas e produtos a galerias e
clientes. Centenas de obras esperam no estoque para ser despachadas, tal como
esculturas e itens de decoração marcados em caixas made in China.
Há pelo menos uma década Romero Britto vem sendo chamado de
“Paulo Coelho das artes”. Assim como o escritor, que já foi best-seller em
vários países, mas poucas vezes aclamado
pela crítica brasileira, Britto tem mais apelo com os consumidores do que junto
aos artistas. Até mesmo a análise de sua obra é difícil tamanha a resistência
dos especialistas a falar sobre ele. Nos últimos dois meses, a reportagem da GQ
pediu entrevistas a 30 grandes nomes da arte contemporânea brasileira para
comentar o trabalho de Britto e, claro, os motivos pelos quais muitos não o
consideram relevante no cenário das artes plásticas do país. Com raras
exceções, a reação foi de desprezo. Alguns chegaram a se ofender com o pedido.
“Artes? Romero Britto? Espera aí, cara, eu sou artista plástico”, disse Ernesto
Neto, segundos antes de desligar o telefone na cara da reportagem. Não foi o
único.
Estúdio do artista em Miami ocupa uma área de 15 mil metros
quadrados (Foto: Jill Peters)
ESTÚDIO DO ARTISTA EM MIAMI OCUPA UMA ÁREA DE 15 MIL METROS
QUADRADOS (FOTO: JILL PETERS)
Entre os poucos que toparam falar está Raul Forbes, um dos
maiores investidores em arte do Brasil. Forbes atua nesse mercado há 45 anos e
já foi dono de quadros emblemáticos da arte brasileira, como o Abaporu, de
Tarsila do Amaral. Quando o assunto é o estilo de Britto, o especialista não
poupa críticas. Para ele, é puro marketing. “Acho uma bomba, sem valor. Muito
mais propaganda do que arte. Não recomendaria nem para quem está começando no
mercado. Ele inventou uma marca. É algo para a classe C, gente que compra, mas
não tem conhecimento de arte. É uma piada”, diz. Ângela Ancora da Luz,
vice-presidente da Associação Brasileira de Críticos de Artes, segue na mesma
linha. Segundo ela, Britto pertence a uma linhagem de artistas pop
profundamente comercial. “Acaba fascinando o público muito mais pela cor. É uma
arte para quem deseja uma apreensão ilusória, superficial, decorativa. Não o
considero um artista como uma Lygia Clark, Lygia Pape ou Helio Oiticica. Essa
gente está a anos luz dele”, diz Ângela.
Habituado às críticas, o brasileiro costuma se defender
falando do seu sucesso de vendas. “O mundo das artes é grande, mas ao mesmo
tempo é muito pequeno”, diz. “Se a minha arte não fosse relevante, as pessoas
não me dariam esse espaço. Toda vez que falam mal de mim e do meu trabalho, eu
vendo mais.”
Toda vez que falam mal de mim e do meu trabalho, eu vendo
mais.”
Romero Britto
Apesar do suposto desdém sobre o que os críticos pensam e
falam a respeito de sua obra, sempre que pode, Britto traça paralelos e
comparações entre seu trabalho e o de outros artistas. É um esforço constante
para se posicionar no rol dos principais nomes das artes da atualidade. Dois
exemplos ilustram bem essa saga. No fim de 2010, ele publicou um anúncio no New
York Times informando erroneamente que faria uma exposição no Louvre. Logo o
museu pediu que ele se retratasse. A exposição em questão era no salão da
Sociedade Nacional de Belas Artes francesa, mostra que acontece todos os anos
no Carrousel du Louvre, um espaço privado vizinho ao museu. Outro caso foi o
lançamento, em janeiro do ano passado, de um manifesto de seis páginas em que
apontava as semelhanças de seu trabalho e sua trajetória com a vida e obra do
espanhol Pablo Picasso.
Participação de Romero Britto durante o Super Bowl, a grande
final do futebol americano (Foto: GQ Brasil)
PARTICIPAÇÃO DE ROMERO BRITTO DURANTE O SUPER BOWL, A GRANDE
FINAL DO FUTEBOL AMERICANO (FOTO: GQ BRASIL)
No universo de Britto, é comum referências íntimas estarem
associadas a nomes de ricos e famosos. No escritório, há cartas e convites
emoldurados de gente como o príncipe Charles (“Todo Natal ele me manda um
cartão”), Michael Jackson (“Me convidou várias vezes para Neverland”) e o homem
mais rico do mundo, Carlos Slim (“Deu uma festa em sua casa no México para
celebrar os meus 50 anos”). Muitos encomendam ou são presenteados com retratos
pintados por Romero, obras que variam de US$ 60 mil até US$ 300 mil.
A importância de uma boa rede de relações e amigos
influentes dá contornos à versão do sonho americano de Romero Britto. Natural
de Recife, em Pernambuco, diz ter tido uma infância humilde. Além dele, são
mais oito irmãos. Sua primeira experiência no exterior foi na Espanha. Trancou
a faculdade de Direito e, com o dinheiro que ganhou com pequenas obras, foi
viver lá. Voltou, mas logo se foi de novo: um amigo de Recife, de mudança para
Miami, o convidou e sugeriu que comprasse “dessas passagens que fazem Miami, Nova
York e Londres”. Ficou em Miami.
Outros personagens aparecem ao longo da biografia, e dois
deles são particularmente marcantes: a norte-americana Cheryl Ann, com quem se
casou em 1988 (estão se separando), e Michel Roux, mentor da campanha de
publicidade da vodca sueca Absolut que convidou artistas, entre eles Romero,
para repaginar a garrafa da bebida, em 1989. Foi em sua primeira associação com
uma marca global que o brasileiro apareceu para o mundo. Hoje, suas cores estão
em produtos licenciados de gigantes, como Disney e Coca-Cola.
O dinheiro veio para o artista, de fato. Ele não discute
valores, mas estima-se que hoje o faturamento esteja na casa dos US$ 80 milhões
por ano. Entre os bens estão oito carros (entre eles três Ferraris e um
Rolls-Royce), uma casa em Miami Beach, uma casa de campo em Nova York, mais de
650 obras de arte e o apartamento em um dos condomínios mais exclusivos de
Miami, de frente para o Bal Harbour Shops, meca das grifes de luxo na cidade,
onde ele compra roupas Dolce & Gabbana
e Prada.
Até Mickey Mouse se rendeu a Romero Britto (Foto: Jill
Peters)
A sobriedade da residência contrasta com o colorido do
estúdio. O minimalismo da decoração é quebrado não pelas obras autorais, que
são poucas, mas por três quadros na sala, postos lado a lado, de Keith Harring.
As cores vibrantes compartilham o espaço
com gravuras menores de Andy Warhol e uma fotogravura de For the Love of God,
do britânico Damien Hirst, a obra de arte mais cara já produzida na história. A
decoração dos banheiros também tem motivos artísticos. Mesmo neles o brasileiro
está perto de celebridades. “Esta aqui foi o meu amigo Paulo Coelho quem me
deu”, Romero aponta para a fotografia de uma flor na parede. “Gosto muito de
flores.”
No sábado à noite, após o jantar, uma passada rápida na
Romero Britto Central Art Gallery, em Miami Beach. São 23h30. Faltam 30 minutos
para a galeria fechar. Romero conversa com os visitantes, tira fotos e dá
autógrafos. Dedica atenção especial a uma família, em dúvida entre um quadro de
um barquinho solitário ou de um cachorro. A eles, além do atendimento
exclusivo, é servido espumante em uma sala mais reservada. A família, cujo pai
é iraniano, a mãe belga e as crianças americanas, decide pelo quadro do barco,
de cores vibrantes e linhas fortes. “É lindo, e me remete ao clima de Miami”,
diz o pai, prestes a desembolsar US$ 14 mil.
Depois de vender a obra, partimos para a sequência do
roteiro traçado por Britto para aquele sábado. Na saída da galeria, mais
selfies. Depois, uma ida a um clube exclusivo em Miami Beach, mais coquetéis.
Antes de ir para casa, uma pequena pausa na rua para um sanduíche e uma
cerveja. A noite acaba às 3 horas em uma disputa de braço de ferro a bordo do
luxuoso Rolls-Royce Ghost. “Foi uma noite legal, né?”, reflete Romero.
Nenhum comentário:
Postar um comentário